entre cupins e Mallarmé
josé leite netto
10h.
O sofá já havia gasto. A tinta que sustentava meu coração aos poucos caia. E despencando de um sonho, entre o ranger e outro da rede, lendo Mallarmé, deixo-me entre cupins e uma multidão de verbos espalhados pela sala. Praias e Várzeas esculpiam a eloqüência líqüida de areia manchada de sangue no tapete a se retorcer entre Quixotes e moinhos, enquanto sópro poeiras, versos e gaitas. Johnny Winter e Floyd se mantinham musicais, Jobim também toquinho tocou por aqui. Rener Maria Rilke aconselha-me a não escrever versos, o silêncio talvez se vestisse ao manto de Mallarmé. Silêncio! O cupim roedor é tocador de flauta.
“Não posso com o teu pó nas prateleiras.” Disse eu enrolando um latim na língua do inseto. E continuando com o dedo em riste...
“Se cada cupim soubesse do amor que tenho por esses objetos de Platão e Sade... com seus mistérios de Sintra, Vinicius e sua menina com uma flor, roterdãs com sua loucura disfarçada e medieva... todos vieram a mim, ouviu! Cada um com seu lugar na estante, na minha pequena história particular.”
Mas o safado teimou a fumar ópio com Baudelaire e Pessoa. “Caminhemos de mãos dadas. É tempo de mortos faladores” espalhados pelo chão e minha mãe a gritar:
“Arruma tudo, o sofá chega amanhã.”
Ainda bem que ela foi ao barzinho. Disse-me enquanto o cupim me falava afiado:
“Ou tu me sopras ou te devoro.”
Mas a Desplanura por vezes é o Leme e o sonho de quem toca pífano no pensamento e pensa em ser uma Metáfora de Sol a se estirar na cadeira. As palavras podem ser rudes na Guerra e Paz de uma casa sendo pintada, enquanto o morador se vê às avessas mergulhado em pinceis e tintas. Neste momento, entre rôdo e latas, o cupim passou correndo e juntou-se a barata do senhor Kafka para uma partida de baralho com o gnomo do jardim. Verdade é que eu queria uma régua para medir quilômetros de Aurélios no universo recriado de palavras empoeiradas.
“Trouxeste a chave?” Perguntei.
”Não trouxe nada! E não entendo nada e pronto!”
Gritou o velho pintor de parede, com sua barba de Max, diluindo cores em busca de um trocado. Enquanto eu fingia ser cata-vento fazendo cachos.
2 comentários:
Adorei o texto " entre cupins e mallarmé",só faltou "O gato preto, de Edgar Allan Poe.
Agradou bastante a menção de Baudelaire entre os demais, ;).
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