DESMASCARAMENTO DE UM TRAPACEIRO , UM CONTO DE FRANZ KAFKA.


Desmascaramento de um trapaceiro[1],
um conto de Franz Kafka.

José Leite Netto
Universidade Estadual UECE, Esp. em Semiótica Aplicada à Literatura e Áreas Afins
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Em “Desmascaramento de um trapaceiro”, livro publicado em 1912 nos mostra o talento profundo e universal da literatura kafkiana. Consta no volume intitulado “Contemplação”, livro onde se observa a liberdade e o vaivém da narrativa que nos oferece o excepcional, o inesperado e o fantástico na postura ontológica na prosa de Franz Kafka. Considerado os princípios em que o narrador nos leva ao patamar de “um trapaceiro”, sejam elas as razões da trapaça em que aqui se analisa, podemos chegar a dimensão psíquica onde enfrenta o narrador ao desmascarar “um trapaceiro”. O trato que o autor nos dá nos faz percorrer a diversos caminhos quando nos deparamos com o dessemelhante ou o desconhecido, o mundo começa logo a participar do silêncio que os cercam, até as estrelas onde, notadamente, nos vemos cercados de signos, convenções linguísticas onde tudo antes se comunicara. Já era noite e o personagem autor sente-se incomodado ao ter que dar voltas na rua na companhia de “um homem” que ele, o personagem autor, conhecia “apenas de passagem”: “Finalmente, cerca de 10 horas da noite, em companhia de um homem que eu já conhecia antes, mas só de passagem, e que desta vez se juntara a mim.”[2].  Observa-se na citação certo incomodo do protagonista pela presença do “Outro”, uma espécie de invasor que o acompanha, dando ao leitor um estranhamento peculiar na narrativa kafkiana. Esse “Outro”, dentro de uma perspectiva de identidade ou dentro de uma analise aqui pretensa a sociossemiótica, passa a se tornar um organismo elementar, uma espécie de “forasteiro” que usurpa o momento, ou seja, aquilo que está fora da realidade cotidiana do protagonista e, por estar fora, como observaremos é a negação do protagonista que projeta no “Outro” fundamentos disjuntivos e excludentes.
“- Muito bem – disse eu, batendo palmas em sinal da necessidade absoluta de uma despedida. Já havia feito algumas tentativas menos claras nesse sentido. Estava completamente cansado. - vai subir já? – perguntou ele. Ouvi em sua boca um ruído semelhante ao dente batendo uns contra os outros (KAFKA, 1912)”
            Nota-se, portanto, uma parcela de exclusão no ato afetivo do protagonista ao seu interlocutor inusitado, uma espécie de “fora” através da “absoluta necessidade de uma despedida”, como acima fora citado, uma rejeição física através da existência do “Outro” que o incomoda. Há, na interpretação que se investiga, fatores símiles ao “colocar-se em si como sendo Ele mesmo, tarefa árdua já que se trata de um olhar para o Outro como elemento de disjunção”[3]. Tal maneira que apesar dos fatores predominantes na inter-relação dos personagens estarem envolto aos índices significativos e imagéticos na trama como em “ruas”, “noite”, “silêncio” e “estrelas” por onde o simples gesto de um “sorriso” faz com que o protagonista, em meios a diversos índices de solidão e silêncio, tome o seu interlocutor inusitado como um “trapaceiro”. E é através do gesto observado pelo protagonista que podemos constituir em nosso sistema de linguagem referências comunicativas e “metagestuais” pressupondo uma determinada negação, o que torna múltipla as significações naquilo que podemos chamar de subjetividade de interpretação, como nos diz Peirce sobre os fundamentos dos objetos interpretantes: “um signo, ou interpretante, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém”[4]. Desta forma, para o protagonista fora o gesto de um “sorriso” que lançou ao mundo interpretativo uma relação de "trapaça”, tradução interpretativa sobre aquele que se viu trapaceado. “Mas esse sorriso eu já não enxerguei até o fim, pois a vergonha me fez virar de repente. Só nesse sorriso, portanto, eu havia reconhecido que ele era um trapaceiro e nada mais”[5]. Assim, não fica difícil assimilação preconcebida na atitude do protagonista, ao envergonhar-se do seu acompanhante em conceber a linguagem gestual do “Sorriso” como um pré-julgamento de uma “trapaça”. Cabe-nos, agora, investigar em que consiste a “trapaça”, ou em que e o porquê houve a “trapaça”.
            Entende-se, portanto, que o processo de semiose dado à interpretação do protagonista ao seu dessemelhante é o ato da negação que examinamos em duas atitudes aparentemente díspares: uma examina e a outra exclui. Sobretudo, do ponto de vista da exclusão que mais se evidência, as cismas do protagonista ao reconhecer que não é somente o indivíduo que, inusitadamente o acompanha, é um trapaceiro, mas toda a sociedade que o cerca. No conto, como no mundo real, o mundo é constituído de interesses partidários, uma relação intrínseca do ser humano, precisamente no uso, não por acaso, da palavra flexionada no plural “embusteiros”, enganadores em que enfatiza o protagonista de “conhecê-los bem”. Assim, partindo para uma análise através da inter-relação do ser em si com relação à atitude “metagestual” do “Outro”, nas devidas articulações que se dá no desenrolar do texto ou nas configurações no intelecto do protagonista, nos faz assimilar fatores estereótipos de sua repulsa, não apenas ao seu acompanhante, o “Outro”, mas uma relação de afastamento do “EU” no mundo com relação ao “NÓS” em sociedade. Não se trata de um sociopata, mas de um homem que conhece a fundo a alma humana. O conto se apresenta como um jogo de “esconde-esconde”, uma rede de intrigas e interesses latentes ao subjetivismo simbólico peculiar na prosa kafkiana, pois quando não se revela a “trapaça”, ou mais precisamente, quando é percebida a “trapaça” através do gesto do “Outro”, bem como as atitudes e olhares daqueles que são os seus concidadãos. Fatores estes que nos deixa em uma rede de interpretação, pois não fica nítida de que lado está a “cara da moeda” da alteridade, se daquele que observa e interpreta os signos relacionados à rejeição ou daquele que interpreta absolutamente um “Sorriso” como um ato de “trapaça”.
“E no entanto eu já estava nessa cidade fazia meses, julgava conhecer esses embusteiros – como eles à noite vêm das travessas ao nosso encontro, os braços estendidos de donos de hospedaria, como eles se colocam à coluna de cartazes perto da qual estamos, à maneira de um jogo de esconde-esconde, e emergem por trás dela espionando no mínimo com um olho (KAFKA, 1912)”. 
Verifica-se, portanto, como acima citado, que o protagonista estava na cidade apenas há alguns meses, o que indica não pertencer àquela cidade e ser um homem de ascensão social que, devido à classe social, revelou certo interesse do “Outro” em acompanha-lo, quando antes já havia advertido: “Eu tinha sido de fato convidado. Mas convidado para subir lá onde já estaria com maior prazer”[6].  Dentro dessa ótica podemos avaliar certa demarcação social do protagonista com relação ao “Outro” ou uma fronteira divisória e individual do protagonista que, ora se apresenta com fatores de exclusão, quando se sente incomodado com a presença do “Outro”, ora se apresenta segregado àquela sociedade que lhe é comum e pertencente a sua classe social, o que indica ao protagonista kafkiano uma relação disjuntiva com índices preconcebidos de interesses por parte do “Outro”, como um homem que almeja a ascensão social, revelada pelo sistema de linguagem de um “Sorriso” como uma interpretação de uma “trapaça”, agora revelada e desmascarada. Assim podemos analisar que numa perspectiva sociossemótica o “Outro” tenta agregar-se àquela classe social. Ora! fazer parte de uma classe equivale a integrar-se A, ser constitutivo DE, compor-se a uma identidade “NÓS”. Desta forma podemos citar: “É a diversidade das heranças culturais, dos modos de socialização, das condições econômicas que determina a diversidade dos tipos humanos”.[7] Assim equivale dizer que dentro de uma visão semiótica há dois tipos de indivíduos: um que segrega ou tenta segregar-se e outro que exclui por estar-se segregado àquela sociedade. Destarte, podemos concluir que as interpretações sígnicas no sistema de linguagem que aqui chamei de sistema “metagestual”, apresentam-se em não segregação por parte do protagonista, outra equivalente a admissão e segregação do dessemelhante ao querer agregar-se a classe social do protagonista. Nos diversos meios comunicativos com relação ao “Outro” e as eventuais interpretação do protagonista, encarados numa perspectiva vivenciada no desfecho do conto, configurou-se que tudo significava um “Golpe” por estereotipar o “Outro”, com uma eventual trapaça ou ameaça representada e desmascara através de um gesto.



[1] Anexo.
[2] KAFKA, Franz. CONTEMPLAÇÃO/O FOGUISTA. Companhia das Letras. P.14
[3] LANDODOWSKI, Eric. PRESENÇAS DO OUTRO ENSAIO DE SOCIOSSEMIÓTICA. Ed. Perspectiva P.6
[4] PEIRCE, Chales. SEMIÓTICA. Ed. Perspectiva. P. 46. 2015.
[5] Idem. P. 14
[6] Idem. P.14
[7] LANDODOWSKI, Eric. PRESENÇAS DO OUTRO ENSAIO DE SOCIOSSEMIÓTICA. Ed. 
Perspectiva P.14




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